sexta-feira, agosto 30, 2013

Para Descansar a Vista




30 de Agosto, acabamos o mês da “silly season” com alguma mágoa devida aos resultados desastrosos dos incêndios e às mais que estúpidas mortes de tantos bombeiros.
Como diz o meu senhorio, quando falta dinheiro no Estado começamos logo a ver nas pequenas coisas do dia-dia: na qualidade dos cuidados de saúde, na falta de medicamentos nos Hospitais, na degradação do ensino na Escola Pública e , obviamente,  na não execução dos programas de limpeza das matas. E disto sei eu, porque conheço a matéria lá em cima na Serra da Estrela!
O problema está em que quando não havia dinheiro no antigamente do Estado Novo, as matas estavam controladas pelos nossos rurais, que delas cuidavam nem que fosse apenas para terem a casa aquecida no Inverno e fazerem as refeições diárias. E agora? Esses rurais estão nos subúrbios…
Admito que muitos portugueses foram para férias, mas admito também que regressarão de queixo caído, pensando já em quais serão os sacrifícios que vão ter de encaixar para que o Governo cumpra o programa da Troika depois do chumbo (merecidíssimo!) da proposta de lei da requalificação laboral na função pública.
Temos de arranjar ânimo para ultrapassar essas ( e outras) dificuldades. Desejo, sinceramente, que a malta toda possa ir votar com alegria e vontade de mostrar algum atrevimento aos “donos da bola”.
Porque “revolta” rima com “vota”.
Por isso tudo aqui fica a poesia de Zeca Afonso, dois curtos poemas para  “animar a malta”:

Quem diz que é pela rainha

Quem diz que é pela rainha
Nem precisa de mais nada
Embora seja ladrão
Pode roubar à vontade
Todos lhe apertam a mão
É homem de sociedade

Acima da pobre gente
Subiu quem tem bons padrinhos
De colarinhos gomados
Perfumando os ministérios
É dono dos homens sérios
Ninguém lhe vai aos costados

Que amor não me engana
 
Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se de antiga chama
Mal vive a amargura
 
Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia
 
E as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito
 
Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira
 
Em novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera
 
Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
O nascer do dia
 
  José Afonso
 



quinta-feira, agosto 29, 2013

Em Louvor do Alvão



O Parque Natural do Alvão Abrange parte dos concelhos de Vila Real e Mondim de Basto, ocupa uma área de 7.220 hectares quase todo inserido no  maciço montanhoso da Serra do Alvão  e  juntinho à bacia hidrográfica do Rio Olo.
É uma Barreira natural que separa Trás-os-Montes do Minho, um vasto conjunto de montes cobertos de vegetação, oferecendo a quem o visita panoramas de cortar a respiração… Vamos ler a descrição oficial e imaginem-se já no local:

Esta paisagem é marcada por matos baixos e afloramentos rochosos, associados às áreas de baldios, onde se apascenta a cabrada, aqui e ali ponteada pela floresta, pinheiros, carvalhos e sobreiros, áreas de cultivo, centeio, milho e batata, e lameiros, onde se cria o gado maronês, num perfeito enquadramento de ecossistema de altitude, é pois caracterizada pela agro-silvo-pastorícia associada aos pequenos aglomerados populacionais. Ao lado dos carvalhais que dominam as zonas mais elevadas, há plantas raras como a Rorela, uma espécie carnívora que medra nos terrenos encharcados e margens dos cursos de água onde se associa o vidoeiro, bem como a aveleira, o azevinho, o castanheiro e o loureiro formando bosques mistos.”

Nesse local paradisíaco existiu a  primeira experiência em Portugal de produção de cabrito bravio biológico a cerca de 900 metros de altitude, numa área de 50 hectares, onde uma centena e meia de  animais pastavam livremente. A exploração, perto da aldeia de Souto (Vila Pouca de Aguiar), era vedada com uma cerca de quatro quilómetros. Para se protegerem dos rigores do Inverno e do microclima de altitude, os chibinhos dispunham de abrigos. O carácter biológico da criação do cabrito de raça bravia respeita uma série de requisitos, entre os quais a não adição de adubos ou correctivos químicos nas pastagens. Os solos não podem ser lavrados sem a autorização das entidades certificadoras, e, em lugar dos fertilizantes químicos, é incorporado restolho e mato nos solos, de acordo com o plano de pastagem.
A Serra do Alvão está a arder há já 2 dias ou 3. Arde um património do parque natural que nos pertence a todos e que me deixou muito boas recordações alguns anos atrás.
Nessa altura, ainda a memória demasiado fresca da morte de minha mulher, andava por esses caminhos de Vila Real com o meu senhorio quando me falaram da “absoluta necessidade de visitar o Alvão”. Mas parando mesmo!
Lá fomos, servindo-nos de engodo e de pouso amável o Restaurante Repentina (Poiares – Peso da Régua; telefone – 254 906 145; 254 906 375) onde comi um dos melhores (talvez o melhor) cabrito assado no forno da minha vida em restaurante.
Em pleno Parque do Alvão passei algumas horas deslumbrado nas “Fisgas do Ermelo” , onde acabei também por jantar no Restaurante Mineiro. Leiam mais aqui sff:
Por todos estes motivos vejo com um aperto no peito o que se está a passar nessa região. E mesmo que os entendidos nos digam que – no médio a longo prazo – os fogos até podem contribuir para a melhor renovação da Floresta e para a fertilidade dos solos, o meu grande receio , conhecendo o país e os seus indígenas, é que nos desatem a plantar eucaliptos por aquelas serranias …

quarta-feira, agosto 28, 2013

Uma série de culto mesmo: The Bridge

The Bridge (2013) Poster

Uma ponte separa dois mundos perfeitamente distintos: o da cidade norte-americana de El Paso (Texas) e o da cidade mexicana de Juarez (Chihuahua).
Estes mundos são interpenetráveis e têm habitantes comuns: os milhares de mexicanos que trabalham em El Paso e todos os dias passam a fronteira e  as centenas de americanos que vão a Juarez para uma noite de diversão: prostitutas e droga barata, muitas margaritas e tequilas...
Para além desta gente cumpridora existem os marginais de ambos os lados, aqueles que vivem do tráfico de droga e do de pessoas (imigrantes clandestinos). Estes gangsters de novo estilo são também em número considerável, crescimento esse que é potenciado pela corrupção (muito do lado mexicano, mas sem faltar a americana também) que grassa a todos os níveis da polícia.
Neste envolvimento estranho e muito noturno, seja por ser de noite mesmo que se passam as coisas, seja por ser dentro de túneis por baixo da fronteira, vivem e trabalham os personagens: a detetive americana maníaco-compulsiva mas que produz resultados e o detetive mexicano honesto (a exceção!). Ele é casado e pragmático q.b. e ela, solteira,  tem mais “bagagem” naquela cabeça do que uma camioneta do Barraqueiro nos tempos das malas de cartão…
Em redor destes heróis meio estranhos gravitam os gangsters - uma senhora mexicana traficante de pessoas e má como as cobras, um riquíssimo senhor da droga de Juarez (  que diz com displiscência absoluta que "os ratos lhe comem por mês um milhão de dólares de coca nos armazéns, coitados, têm que comer alguma coisa...") – os chefes das polícias, os jornalistas, e um serial killer especial, que anda a matar com requintes de malvadez personagens envolvidas nos dois tipos de tráficos de que falei.
A não perder! Dá na FOX Crime. Vejam aqui sff:

terça-feira, agosto 27, 2013

Portugal a Arder


Porque estão a morrer tantos Bombeiros neste ano?
Não podemos ficar insensíveis ao que se vem passando neste Verão : Incêndios que não param, área ardida considerável e, sobretudo e infelizmente, perda de vidas humanas, quatro (por enquanto) bravos soldados da paz.
E mesmo nunca esquecendo  que já passámos por situações bem piores (o Verão de 2003, onde a área ardida atingiu o valor catastrófico de mais de 425 000  ha, e houve a lamentar a perda de 18 vidas), não existem dúvidas que esta situação recorrente, ano a ano, Verão a Verão,  deve ser encarada com enorme seriedade pelos poderes públicos.
Leiam aqui um comentário da Infopédia ao que se passou em 2003:
Como resolver esta calamidade?  Com a devida vénia à origem transcrevo a que me pareceu, depois de ler várias explicações, a mais racional e sensata explicação para o flagelo que nos assola todos os anos:  

OS FOGOS FLORESTAIS EM PORTUGAL: O PLANEAMENTO DO ESPAÇO NA INTERFACE URBANO-FLORESTAL E A SEGURANÇA DAS POPULAÇÕES”
Duarte, Jorge Filipe Baptista - Licenciado em Geografia – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

“…Em suma, tem-se assistido ao êxodo das populações para a cidade o que por um lado vai conduzir a um abandono de habitações em áreas florestais e potenciar uma necessidade da expansão das cidades para espaços florestais, consequentemente também se registando um abandono das práticas agrícolas tradicionais (essencialmente nas últimas décadas) o que muito tem conduzido para um aumento da frequência e da intensidade dos incêndios florestais, já que há um abandono dos campos e o aumento das áreas de pousio.
Por outro lado, nas áreas florestais a lenha deixou de constituir o elemento primordial de aquecimento e base energética para cozinhar os alimentos  e este vai ser o principal problema no aumento da biomassa e de material combustível que fica nos terrenos e que constitui um risco acrescido para a deflagração e propagação de incêndios nas áreas.
Desta forma e ao contrário do que se pode pensar, a área florestal em Portugal tem aumentado (REGO, 2003) nas últimas décadas em virtude quer do aumento da expansão da área de plantação de eucalipto mas também em virtude do abandono da actividade primária ( que referi no parágrafo anterior).
 São várias as situações de numerosas habitações e loteamentos implantados em áreas florestais – “o resultado é uma paisagem na qual as habitações e árvores são
inextricavelmente imbricadas, criando assim uma interface urbano-florestal original e agradável para os habitantes, mas extremamente perigosa para o habitat e seus ocupantes” (CARREGA, 1992: 109).
Raros não são os exemplos de habitações de segunda residência (muitas vezes também de emigrantes) em que os pátios, jardins e quintais, bem como algumas terras de cultivo, lentamente, começam a estar ocupadas por vegetação espontânea que, gradualmente, passa de vegetação herbácea, para sub-arbustiva (matos) e até nalguns casos para  o completo abandono que conduz ao crescimento mesmo de vegetação arbórea, aumentando a carga de combustível na proximidade das habitações e proporcionando uma continuidade de vegetação extremamente nefasta para os edifícios e onde a probabilidade de arderem é muito maior, já que está favorecida a ignição dos combustíveis quer pela projecção aérea de partículas incandescentes, quer pelo contacto directo das chamas de um incêndio….”




Ou seja: A Floresta arde porque é abandonada, porque é transvestida de eucaliptal e porque não se planeia esse abandono nem se coordena a plantação, a limpeza e o repovoamento. A Floresta arde porque qualquer mão de diabo (seja criminosa, negligente ou ocasional) tem ali mesmo ao pé uma pilha de material combustível à espera de ser incendiado. A Floresta arde porque proporciona demasiadas oportunidades aos "ladrões" . E se é a ocasião que faz o ladrão, também é verdade que ninguém pode fazer uma fogueira sem lenha... E, finalmente, a Floresta arde porque quem deveria tomar as medidas profilácticas e tomar providências para as fazer cumprir obrigatoriamente - o Governo da Nação - não tem dinheiro nem para mandar pôr fundilhos nas calças... E isto não é de agora!! Sempre assim foi, porque : as árvores não votam e os aldeões são poucos e não contam eles também para os votos.

segunda-feira, agosto 26, 2013

Discursando sobre Chibos e Chibas...assados




Há dúvidas entre os entendidos sobre o significado (gastronómico) de “chibo” (ou “chiba”)… Para uns será um “ovino castrado até um ano de idade”. Para outros, seria antes um “cabrito novo”.
O significado mais “acazanado” , do calão “chibo” ( delator , aquele que “se chiba”), esse vem perfeitamente identificado em qualquer dos livros que consultei.
Entre ser o “chibo” que aqui nos interessa um animal de lã ou de pelo vai uma diferença gastronómica profunda. Pois em relação ao resultado final uma coisa será assar borrego e outra bem diferente assar um cabrito.
É interessante constatar que embora o cabrito seja considerado a “carne de luxo por excelência”, o mais perfeito assado da panóplia lusitana, nos lugares onde o pastor faz queijo de ovelha – por exemplo na Serra da Estrela  -  e como dá má fama a qualquer rebanho ver cabras entre as ovelhas, o “borrego” é tão considerado (ou até mais) do que o “cabrito” como prato de grande qualidade.
E mesmo no preço, sempre a puxar mais para o lado do cabrito aqui por baixo, não existe diferença nesses locais serranos entre ambos.
Na minha opinião, e partindo do princípio que falamos de animais criados com todas as condições, filhos de mães que pastam ao ar livre e que comem o que de melhor existe nas serranias das Beiras ou nos pastos alentejanos, só posso afirmar uma coisa:
São dois animais de grande categoria quando transformados em assados. Mas cujo sabor e caraterísticas  nada têm a ver um com o outro. Normalmente o borrego tem mais gordura do que o cabrito e por isso pode necessitar de mais tempo para atingir o ponto ótimo de assadura. E se me perguntarem qual será o melhor, não saberei dizer. Seria como comparar uma Pescada com uma Garoupa…
Vamos combinar pôr de lado as  formas de apresentar quer o borrego quer o cabrito, em ensopados, caldeiradas, fritos , grelhados e guisados! Embora canónicas (sobretudo os ensopados) quando a matéria prima é nova e  tem qualidade, parece ( e é!) um pecado estar a desviá-la da sua vocação primária , que é o forno.
Quanto às formas de temperar o que posso adiantar é que os borreguinhos de leite não sentem falta do pimentão, bastando-lhes o alho bravio e a cebola ( e salsa) , enquanto que o cabritinho carece sempre do atavio da massa de pimentão, qualquer que seja a dimensão do animal.
Mas como há também quem ponha pimentão no borrego ( e em pleno Alentejo, com receita antiga e comprovada ) tudo isto se complica…
O que posso ainda acrescentar é que , seja borrego ou cabrito, nunca o deixem “cozer” no forno em molhanga demasiado abundante! Cuidado com as cebolas. Muito cuidado com o vinho branco! Este serve para refrescar, não para enfiar uma “cadela” ao cabrito!
E quanto ao tamanho do animal tenham em atenção que é melhor um “mamão” de 7 ou 8 kg de boa proveniência do que um chibinho de 5 kg “rafeiro”… E como há quem prefira carne já feita (carne “grossa” ) independentemente da origem da dita, teremos sempre ocasião de testar o forno com diversas alternativas.
Por último: o segredo de um bom assado é ir virando a carne e refrescando com o molho da assadeira. Para o nosso paladar a carne quer-se estaladiça  e nem demasiado assada e ressequida , nem à inglesa (borrego de Gales) ainda rosa do sangue…
Por estranho que pareça o assado não é um prato em que se dê folga ao “queima-cebolas”, olho vivo e cozinheiro sempre de plantão ao forno são muito importantes.

sexta-feira, agosto 23, 2013

Para Descansar a Vista

Regresso a Herberto Hélder e ao seu magnífico "Servidões".
Neste local em baixo indicado podem apreciar a poesia dita. De facto,  em boa hora a TSF pediu a Fernando Alves que nos dissesse 7 poemas do Mestre. A não perder!

http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Vida/Interior.aspx?content_id=3241601

 E das muitas maravilhas possíveis escolhi para V. este poema que segue:

A carta da paixão
Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.


            Herberto Helder
PHOTOMATON & VOX
Assírio & Alvim
1995

 
 
 

























 


 

quinta-feira, agosto 22, 2013

O gel de banho acabou com o sabonete ?

De momento os sabonetes que ainda encontro lá por casa são os que a “sargenta” compra (pequeninos, da Ach.Brito) para pôr dentro das gavetas da roupa interior.
Nunca percebi porque é que o faz, mas já minha mulher fazia o mesmo, embora utilizando saquinhos de potpourri. Não sou insensível aos bons cheiros, mas custa-me a acreditar que as “partes pudendas” de dois matulões ganhem alguma coisa por cheirarem a alfazema. Antes pelo contrário.
E não sigo por esse caminho, porque rapidamente passaria dessas partes pudendas para as outras e daí para os odores a bacalhau seco, mais uma vez baixando o nível do blogue. O que não é admissível.
Tenho saudades dos matacões saboneteiros  que enchiam a mão lá no duche, com a vantagem de – por estarem sempre a cair – contribuírem em muito para aumentar a flexibilidade dos banhistas. Claro que era preciso algum cuidado quando – em locais mais públicos , como balneários de piscinas ou de recintos desportivos – se deixava cair o sabonete… Convinha um gajo olhar bem para o lado e para trás antes de se baixar.

 
Mas fora isso o velho sabonete tinha vantagens sobre os atuais “gels” de banho. Começo por embirrar com o nome.
“Gel” será o quê?  Pela definição não vamos lá… Ora leiam:
é um sólido aparentemente de material gelatinoso formado de uma dispersão coloidal, em que o meio disperso se apresenta no estado líquido e o meio dispersante no estado sólido.”
Raios cus partam (digo eu).
Vamos lá pelas utilizações mais conhecidas:
a)Nome de pessoa – recordo aqui o incomparável Johnny  Gel, figura do inenarrável filme “Zombie Apocalypse” juntamente com a leading lady Andrea Abatte (nunca ouviram falar nem de um nem do outro? Eu também não…).
b)Material para fazer unhas e verniz (suponho que para as senhoras usarem, mas já não juro). Há até quem faça esculturas  com isso. De fugir.
c)Abreviatura de Gelatina .
d) E substituto do velho sabonete. Segundo a DECO-ProTeste:

O gel de duche, produto de limpeza recente, conquistou o seu lugar devido à sua grande vantagem em relação ao sabonete: maior suavidade depois do banho.”

E a pergunta impôe-se: Para que é que um marmanjo necessita de “maior suavidade depois do banho”?  O que faz falta a um Homem de jeito, qualquer que seja a idade, é algo que retire o suor e as gorduras da pele.
Que quanto ao cheiro logo aparecerá depois de duas horas a cavalo.
E nem me perguntem feitos parvos: “a cavalo em quê?” Porque levam logo roda de ordinários!

quarta-feira, agosto 21, 2013

Ir à pesca

Eu ia à pesca. Sendo que aqui o mais importante da frase é o tempo do verbo: IA (do passado). Não confundir com IA - Imposto Automóvel!

Hoje em dia a simples visão da minha pessoa num barco causa-me alguns arrepios. A minha função a bordo aparentemente só pode ser uma de três: Boia de salvação no caso de algum percalço; servir de lastro para aliviar a carga (aqui é capaz de compensar a relação peso\volume da alimária). E, finalmente, no caso dos grandes desastres, servir de ração de emergência para a tripulação inteira de algum ferry-boat nos mares da China ( todos os 650 -  tripulação, passageiros pagantes e clandestinos),
Mas vamos lá a pôr o comboio nos carris. Como disse,  Eu ia à pesca.

Meu pai levava-me de "chata" (das do Bino banheiro) ali na praia da Azarujinha, direitos aos pesqueiros escondidos, um dos quais era a (ou o ) "Janela Aberta". Íamos de noite para regressar de madrugada.

Encontrava-se o pesqueiro fazendo o alinhamento entre dois pontos visíveis para aí a um km e meio da praia. Um deles parece-me que  era o forte novo da praia da Poça, do outro já não me lembro.

Apanhavam-se safios, moreias para secar, algum robalo, corvinas, sardas e cavalas, petingas e sardinhas e, em certas noites especiais e luminosas,  as famosas lulas da toneira, que tinham aprestos próprios, parecidos com o "polveiro" do pé da praia, para se apanharem. Vinham ao luar, provavelmente em busca de sexo.

Polvos, como referi, e os linguados, pescavam-se mais perto da praia. E os mexilhões eram petisco nas marés baixas grandes, quando as rochas lá para o fim das praias ficavam à vista. Eram o "Pescoço de Cavalo" , de onde mergulhávamos, e as duas gémeas à entrada da Azarujinha, os chamados "corvos".

O que ainda não disse é que tudo isto se passava a 150 m de minha casa, a menos de 1km do Casino Estoril, mas - e obviamente - há já 45 anos...

Quando as marés vivas prenunciavam as grandes vazantes  era certo e sabido que tínhamos a petisqueira do mexilhão de tomatada lá no pequeno quintal da nossa casa. Vizinhos e amigos partiam de madrugada e lá mais para as 5 da tarde estava a panelona ao lume, com a base de boa cebola tomate e alho, sal q.b. e alguma malagueta. Aí se deitavam os mexilhões depois de bem escovados e lavados em muitas águas.

Acompanhava o petisco  uma água pé bem fresca (para alguns a clássica Sagres) e laranjinas C para a malta nova. Um vizinho trazia uns queijos frescos de Mafra, outro não se esquecia do chouriço e do paio, meu Pai e meu Tio Joaquim cozinhavam e forneciam as bebidas. O Pão vinha também ele de Mafra, e se o Bino acedia compartilhar a frugal mesa, era certo e sabido que vinha com um saco  cheio de navalheiras e de bruxas, "roubadas" ao Pai João Banheiro por entre os muitos "covos" que este mantinha ao largo.

E ficava tudo à conversa até bem por dentro da noite.

Não tenho saudades desses anos. Não havia saneamento básico em muitas casas, mesmo ali no centro do Estoril. Não havia liberdade de expressão. Não havia igualdade de direitos e de obrigações.

Mas havia peixe e marisco a escassos metros da costa. E , o que tinha alguma importância, o Benfica reinava e ganhava com o Imperador Eusébio da Silva Ferreira a pintar de vermelho e negro as tardes de Domingo e as Quartas Feiras europeias.

Não tenho saudades desses anos. Mas tenho saudades de algumas coisas dessa época...

Pôrra que não existem mundos perfeitos!

Lisboa e Baden-Baden

Um Amigo comenta a nossa existência queirosiana (e que bem sabe ele destas podas...):

Anônimo Anônimo disse...
Grandes crónicas Amigo, queirosianamente falando petiscos como esses nem em Paris Raul amigo...
Quanto á falta de política na conversa é bom sinal de que a paz do campo determina paz de espirito bem necessária nestes tempos de incoerente pratica da res publica.
Boas ferias da parte de que em Lisboa permanece, pois como dizia D. Tomás de Mello Breyner, Lisboa em Agosto é melhor que Baden Baden
...

terça-feira, agosto 20, 2013

A demolha do fiel amigo


Aproveito um percalço que me aconteceu lá em casa para tema deste Post de hoje.  
Descongelei três magníficas postas altas de bacalhau “inglês”, comprado na vetusta casa Oriental, aos Clérigos, do Porto, e qual não foi a deceção quando ele se revelou – depois de bem assado no forno - demasiado picado ao sal…
Mesmo para mim que gosto do bacalhau mais para o lado do apetitoso do que do insonso, aquele estava demasiado “espevitado”.
A “sargenta” jura e trejura que “esteve o bicho mais de 48 horas em água e que tinha mudado a água de manhã e à noite”. Pode ser que sim, ou então a idade confundiu as 48 horas com 24h…
Está claro que ainda há solução para o que sobrou ( e que foi muito). Tiramos do congelador 2 dias antes de usar, e depois de descongelar fica mais um dia em leite, mudando-o pelo menos 3 vezes .
Aproveito a dica para – com a devida vénia – passar aqui um artigo que respinguei do JN, da autoria da jornalista Denisa Sousa:
“O segredo pode muito bem estar na forma como se demolha. O bacalhau, segundo Fernando Dias, dono da Adega Regional de Tenões, em Braga, quer-se duro e no ponto certo de sal. Descobertos os mistérios, o profissional da restauração inventou uma máquina para o demolhar. Aparelhómetro agora comercializado por uma dupla de empresários com quem partilhou a ideia.
Fernando Dias anda numa azáfama, dentro do seu avental e touca branca, enquanto frita uma posta grossa e dá uma umas voltas à cebola. Conhecido na cidade pelas qualidades do Bacalhau à Braga que confecciona, acede a desvendar a sua invenção. A necessidade aguçou-lhe um engenho, e depois de olhar para uma máquina de cerveja, lembrou-se que idêntico sistema podia ser usado na lavagem do bacalhau.
"É uma arca de inox com duas serpentinas de frio, que, de três em três horas, renova a água. Leva cerca de 30 litros e outros tantos quilos de bacalhau", conta. Fernando Dias idealizou e partilhou a ideia com dois amigos, donos de uma fábrica de equipamentos hoteleiros (Sovifrige). Nasceu, então, o invento.
"O bacalhau não pode ser demolhado em água parada. O sal aquece a água, as postas ficam moles e ganham cheiro". A máquina veio resolver a questão. Depois de criada pelos donos da Sovifrige, Gentil Oliveira e Nascimento, a experiência convenceu. Actualmente prestes a ser melhorada, vendem-na a 1250 euros, sobretudo para o sector da restauração da região e Espanha.
A ideia, oferecida por Fernando Dias, nunca foi patenteada. "Ofereceu a invenção sem contrapartidas?", pergunta-se-lhe. "As amizades funcionam assim", diz. No Parque de Exposições de Braga, onde o restaurante está representado no Festival do Bacalhau, o cozinheiro divaga sobre a iguaria que o levou lá, conjuntamente com outros cinco estabelecimentos com provas dadas na qualidade do Bacalhau à Braga, prato típico da cidade.”

segunda-feira, agosto 19, 2013

Começos

Começou bem o Campeonato Nacional da 1ª Liga!
Bem para o Sporting e Braga, SCP, FCP. Menos bem para o SLB, a não ser para aqueles que desejariam a saída mais que rápida do "cabeludo" da Luz...Para esses a derrota (merecida assim-assim) ainda soube a pouco...E não haverá forma de pôr o Jesus nalgum retiro espiritual? Teremos que esperar por mais duas ou três derrotas com certeza.

Começo  do Campeonato e começo dos "malabarismos" dos Srs Árbitros... E se no Funchal pode ser dado o benefício da dúvida (enfim...) já no Bonfim vou ali e já venho: penalty  bem forçado e expulsão do guarda-redes setubalense quando o Vitória ganhava por um a zero?

Começo também da vida de trabalho para muitos portugueses. E das férias para outros. Faço notar o horror que se passou na estrada nacional para o Algarve, perto de Ourique e em local que conheço muito bem, depois das nossas aventuras por aquela localidade: 9 mortos em 2 dias!

Devagar que tenho pressa!! Escrevi aqui há dias e repito.

Começo, enfim (mas muito lentamente) da vida política, agora com os holofotes todos ligados nas Autárquicas.
Tenho vindo a acompanhar as previsões das sondagens e embora a distância seja ainda considerável (para prever com exatidão) já parece mais ou menos evidente que a força da derrota do PSD dependerá sobretudo da decisão que o TC vier a tomar sobre a repetição de mandatos, e não tanto pela força da campanha do PS...
Mau agouro para António José Seguro.
Mas, como referi, ainda é cedo para palpites educados sobre o que se vai passar. Duas coisas parecem ser certas: Ninguém tira António Costa de Lisboa nem Meneses do Porto ( se o deixarem concorrer).

sexta-feira, agosto 16, 2013

Para Descansar a Vista

E porque hoje é sexta aqui vai o poema habitual. Com a preocupação mundial a centrar-se no velho Egipto faz sentido dar aqui voz a essas latitudes. Herdeiros de uma notabilíssima civilização que durou mais do dobro da nossa cristã ocidental ( e que nem saberemos se nos ultrapassará em longevidade), avós e bisavós da nossa arte, ciência e cultura, faz pena ver assim estas dissidências , estas confusões e estas mortes nas ruas...
 
Começamos com uma simples ode  de Mona Elmonier:

Egypt

Like a star...
in the sky.

Like a bird...
don`t be shy.

You will always..
be able to fly.

You will stand
you will pray.

No one can..
let you die.

you will always...
be my sly.

O`my home...
O`my country.

I`ll never..
let you cry


E terminamos com esta beleza de Yassmin ElNazer

a wave of green
 
a wave of green
carrying me away
to a land of hope


a place with just peace
the green wave flowing along the tough hill
screaming the impossible I will kill
the soft leaves running on the face of rocks


changing every unpleasant view
green carries welfare,true
the green wave running through me
planting harmony


with earth
what a lovely view,
what a dreamy place!

O Preço do Luxo

Já sabíamos que a Avenida da Liberdade se está a tornar uma das mais importantes zonas de compras de luxo da Europa. Todas as grandes marcas ali estão, à espreita dos bolsos bem aviados que nos chegam dos trópicos (Angola e Brasil), mas também da Rússia e territórios afins que eram da União Soviética e hoje se tornaram viveiro de oligarcas do gaz natural, petróleo e etc... Dou alguns exemplos:

Um "carré", o sempre magnífico foulard Hermés 90cmx90cm , custa cerca de 350 euros, as botas altas de senhora são a 1800 euros, mas se for adepto de equitação, a sela Hermes Cavale deixa-o mais leve uns 7500 euros.

 Uma carteira de homem longa Montblanc vai à vida por 360 euros, A clássica caneta Montblanc Signature de tinta permanente custa em redor de 600 euros e, sempre na Montblanc, o relógio  cronógrafo Rieussec de aço custa 8 200 euros.

Um  Cartier Tank inglês de senhora, ouro cinzento, fica por 20 000 euros. Na nova loja da marca recentemente estreada.

E na portuguesíssima David&Rosas, o Patek Philipe Quantiéme Annuel não custará mais do que 52 000 euros. para Homem e em ouro, obviamente!

Haja dinheiro (de qualquer cor!) para fazer as delícias destas marcas e encher de gente a Avenida (encher é uma figura de expressão! Com 4 ou 5 clientes destes por cada fim de tarde as lojas já respiram). Eu gosto que venham cá e que gastem aqui. Depois têm que dormir e comer também e tudo isto é bom para o País .

Os nativos podem ficar um pouco desconfiados de tanta grandeza numa terra cada vez mais madrasta para os pobres, mas terão que se conformar e ter alguma esperança. O tempo do Raj e da exploração colonial inglesa da Índia durou desde 1858 até 1947, mas depois disso um senhor chamado Ratan Tata vingou-se e amealhou suficientes rupias para comprar a Jaguar e a Land Rover...

A vingança come-se fria e aqui com tempero de caril... No nosso caso deverá saber a coentros e alhos...



quinta-feira, agosto 15, 2013

Cá em baixo outra vez

Sarilhos e obrigações levaram-nos a sair mais rapidamente da serra.

Não faz mal. Já me habituei a ter de lidar com estas pequenas contrariedades e a esperar sempre pelo melhor dentro do mauzinho... E todos os portugueses acho que também se habituaram a estas exéquias do "antes assim que pior", do "ótimo é inimigo do bom" e de outras considerações miserabilistas e de grande mediocridade.


Uma das que mais me impressionou tem conotações futebolísticas e ouvi dizê-la lá em cima: "Mais vale ter estado em 3 finais e perdido todas do que não ter estado em nenhuma!"

Mas que raio de forma de justificar e desculpar a estranhíssima carreira do meu Benfica na última época! Mais vale ter perdido as finais??  Olha que pôrra!! O que valeria era ter ganho pelo menos duas (a Taça e o Campeonato)!!

Por enquanto ficarei aqui em casa  e vou alimentando este Blogue com base no que vir e ouvir.

E pôr em dias as séries gravadas na Box, que darão para mais de 48h seguidas!


terça-feira, agosto 13, 2013

Crónicas da Serra 4




Refrescou esta noite o que foi agradável. Aqui para cima custa aguentar os trinta e muitos sem o refrigério da água salgada. Não se pode ter tudo.

Ontem dei por mim a acompanhar os ruídos desta ruralidade, porventura sempre os mesmos há centenas de anos por estas serranias.
Durante as horas mais quentes do dia não se ouve nada. Depois, pela tardinha começam a chegar os pássaros aos ninhos. São dezenas e dezenas em alegre chilreada, brigando uns com os outros. O pastor João tem as ovelhas mesmo à nossa frente, passam a noite aqui mesmo, o que dá para ouvir bem os chocalhos quando começam a pastar, mas já depois de ter caído a noite. Pastam à fresca porque são ovelhas mas não são parvas!
Os badalos terminam pelas 21h. A partir daí começa a reinar a cigarra e sobretudo os grilos que não se calam a noite toda.
Ainda eu às vezes me queixo do carro solitário que por lá passa na minha rua do Estoril velho, ou dos vizinhos a falar mais alto, entusiasmados com o bridge no jardim em frente…

Temos dado valentemente nas garrafitas de verde que trouxe de Guimarães. Bem fresco é o melhor aperitivo para os finais de tarde. Comer é que não tem apetecido muito. É o calor.
Os nossos primos apareceram ontem carregados de amoras do jardim. Foi essa a minha ceia: amoras frescas com chantilly gelado, fazendo boa companhia a uma garrafa de espadeiro. O resto da malta como de costume deu algum estrago nos queijos e enchidos, com o bom pão de centeio do Sabugueiro
Hoje asso para o almoço lombo de porco preto. Parte do avio que ainda me coube das aventuras por Ourique. Com salada da nossa horta e batatas fritas, porque o tamanho do lombo não consente meter batatas no mesmo tabuleiro.
Teremos de beber tinto, mas vou ter de refrescar as garrafitas. Há um Dão da antiga Adega de S. Paio, com cerca de 5 anos, que nos ofereceram em caixa e que carece de ser provado. Será logo ao almoço.

segunda-feira, agosto 12, 2013

Crónicas da Serra 3



Acho que nunca fumei. Pelo menos na acepção  tradicional do termo, em que entrava o chamado vício dos 30 ou 40 cigarros por dia, ou até mais.
Pelos 18 depenicava uma cigarrilha socialmente e para não parecer estranho junto dos colegas. Lá para os 21, já assistente universitário, entreguei-me à arte do cachimbo como forma de me dar um pouco mais ao respeito junto dos alunos (eram dos cursos noturnos e tinham o dobro da minha idade). Mas nem isso nem a barba que na mesma altura e pelos mesmos motivos deixei crescer me valeram muito…
Era bom pedagogo e sabia do assunto e foi isso que me safou. Tal como hoje em dia não existia substituição para o trabalho árduo. Cosmética e banho de boutique são bons para a televisão e para mostrar às massas ignaras.
Depois disso  uma certa afluência provinda dos anos de ouro da entrada na CEE permitiu-me conhecer o admirável universo dos “puros”. Tenho alguns ainda guardados para as grandes ocasiões (Hoyo de Monterrey e Partagas), mas a situação não permite renovação  como antigamente.
Tudo isto para dizer que aqui na serra retomei  a bolsa dos meus cachimbos e estou agora a ensinar o “senhorio”  a embalar os meninos na palma da mão.
Trouxe quatro da minha antiga coleção. Dois Peterson em pescoço de cisne, e dois direitos: um Dunhill que já me custou os olhos da cara e um Butz-Choquin mais curto e mais barato que é o que estou a usar para o desmame da criatura.
Ontem ao final da tarde, quando o sol abrasador deu lugar a uma bisa agradável, lá nos encontrariam aos dois no terraço, copo de Jameson’s com muito gelo e água numa mão e filosoficamente cachimbando.
E que bem que soube! Mas hoje à tarde há mais do mesmo!
Deixo agora estas reminiscências que hoje há que preparar o Tamboril em caldeirada à minha moda:
“Uma puxadinha leve de bom azeite, cebola às rodelas (pelo menos 3) alho, 2 pimentos aos pedacinhos, 2 bons tomates (apenas o suco , espremendo-o grosseiramente com as mãos), duas malaguetas também aos pedaços. Mão cheia de sal. Um copo de branco depois de estar a cebola loura, para refrescar.
A cabeça e os ossos do tamboril entram logo na puxada. Depois vamos colocando às camadas e alternadamente  a batata cortada às rodelas grossas e os lombos.
Ao fim de uma horita ao lume médio está pronto para ir para a mesa”
Vai ser acompanhado com um Branco de 2010 do Centro de Estudos Vitivinícolas de Nelas.

domingo, agosto 11, 2013

Crónicas da Serra 2



Ontem à noite ninguém queria deixar a frescura do alpendre.

Já passava da meia-noite quando nos fomos deitar. Noite quente de Agosto e céu limpo proporcionariam a esperada visão da "chuva de estrelas". Parece que a nossa Terra estará a passar pela cauda de um cometa e daí o fogo de artifício celestial...

Mas nada vimos... E nem se poderia dizer que fora Baco o causador da cegueira temporária, pois estes calores não pedem grande consumo. Nem de álcoois nem de vitualhas.

Pusemos a mesa com a costumeira roda de queijos e de enchidos, tendo juntado aos Serra da Estrela o Rabaçal que meu mestre Quitério me ofereceu, queijo da sua zona de Cantanhede e que na sua acidez específica nos fez também muito boa companhia.

Para beber um vinho verde da casta Espadeiro, ligeiramente rosado (nunca confundir com o Rosé) da cor especial daqauela casta de uvas tão peculiar. E que tem apenas 10,5 graus, cumprindo na íntegra a sua obrigação de satisfazer a sede e o palato sem causar danos.

Após a selecção, as melhores uvas da casta Espadeiro sofrem uma vinificação tradicional em “Bica Aberta”. A fermentação, com rigoroso controlo de temperatura, é realizada após uma suave prensagem e decantação

Já com o pescoço dorido de tanto olhar para o céu, e maldizendo a má-vontade do firmamento, fomo-nos entretendo com "estórias" aqui da terra. Quem morreu, quem casou, quem saíu, e coisas dessas.

Foi só no quarto que me dei conta que quase não se falou de política...

Será mau sinal ou bom sinal?

Para analisar em próximas ocasiões, mas para mim é sintoma de que o povo está a fartar-se de escândalos e de confusões.

Boas notícias dos velhos: pagam menos pelos medicamentos. E más notícias de todos (incluindo os velhos): estão a pagar o dobro de IMI que no ano passado...

Afinal sempre se falou da p**** da política. 


sábado, agosto 10, 2013

Crónicas da Serra 1

Aqui estou de novo na "mais alta". Calor em barda e solzinho bem forte na testa da malta. A tradicional feijoca com pé de porco esperava por nós ao almoço e embora seja um prato de Inverno, que bem que nos soube!

Saudades dos sabores cá de cima, e alguma "larica" para quem se levantou ainda não eram seis da matina fizeram o milagre. Não há dúvida que a fome (passe o exagero)  é o melhor tempero que pode existir!

Trouxe uma garoupa de 3 kg e tal, um tamboril idem, idem, sargos de palmo e meio, vários lombos de porco preto e de bacalhau inglês. Aqui na Beira Alta temos o borrego dos pastores, as batatas novas, as vagens (feijão verde) e as saladas da nossa horta.

Haja criatividade para tanta matéria prima! E como o peixe não viu congelação alguma temos de o despachar primeiro. Amanhã , Domingo, deixamos a tradição do assado de lado e avançamos para a garoupa cozida com todos os acompanhamentos.

E depois se verá, ao sabor da vontade do mestre cuca... 

Faço um parêntesis para saudar Urbano Tavares Rodrigues, grande escritor , homem sábio e de uma doçura que nos conquistava a todos, grande democrata e resistente ao fascismo, mas sobretudo um Homem de Paz e de Concórdia, um Campeão da Tolerância que escolhia os seus amigos sem se preocupar se estes prestavam vassalagem aos deuses da esquerda ou da direita, a Jesus Cristo ou a Maomé, simplesmente porque eram seus amigos...

Boa Viagem Senhor Urbano! E muito obrigado por ter compartilhado connosco este vale de lágrimas.

sexta-feira, agosto 09, 2013

Para Descansar a Vista

Em louvor da beleza da montanha, que já lá está à minha espera,  aqui vai meu mestre Miguel Torga:

À Beleza

Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.

És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.

És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.

És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.

És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.

Miguel Torga, in 'Odes'


 
 


 

quinta-feira, agosto 08, 2013

Começo das Férias

Hoje é o último dia em que trabalho - antes de férias!! - motivo que me leva a fazer um Post vocacionado para o lazer.

 Lazer, e não laser (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation). Lazer no sentido de "Tempo Livre" ou de "Atividade que se pratica no tempo livre".

Não é que eu particularmente tenha muito tempo livre nas férias. São dias e noites em que me dedico à cozinha e , nos intervalos, como (de "comer" mesmo no prato) , durmo , bebo e leio. Não necessariamente por essa ordem. Vou para a Beira Alta no Sábado , mas na Sexta feira próxima faço o "avio" aqui em baixo do peixe.

Gostava de conseguir ler algumas novidades que por aí apareceram ultimamente e que fui tentado a comprar: o livro do Zé Gomes Ferreira (O Meu Programa de Governo); o do meu mestre Herberto Helder (Servidões); e ainda levo na mala os dois últimos calhamaços da "Song of Ice and Fire - Dance with Dragons", os quais tenho lido "à moderna", como o velho Dr. Mário Soares lia os relatórios (eram tempos de outra loiça mais fina), ou seja, enviesado e em corridinho.

Esta passagem do "corridinho" ao "cante alentejano", da sofreguidão à marcha lenta, deveria ser a grande conquista das férias. Infelizmente, quando estamos quase a alcançar essa transição acabam-se as férias e lá volta outra vez a loucura do croquete e do café tragados à pressa depois do engasganço com a migalha da franciscana sandes mista do almoço.

 Pode ser que a reforma seja o tempo e o espaço ideal para treinar a pausada lentidão que tão necessária é à vida, recordando que até para andar "na galga" do momento presente é preciso alguma calma. Calma que estou com pressa!

Mas hoje - e por diversos motivos conhecidos de todos - não me apetece falar nem de reforma nem de reformas.

Planeio manter este Blog e as habituais "Crónicas da Serra" lá por cima, e antes de me ir publicarei ainda o poema da praxe da sexta feira. Se nalgum dia falhar esta "prosa" os leitores que não liguem muito, devo estar a aperfeiçoar a tal ciência da marcha lenta...

Boas Férias!

quarta-feira, agosto 07, 2013

Como se estragam as combinações

Não falo de combinações no sentido arcaico do tema, uma espécie de camisa de noite fina que as mulheres punham (lá para os anos 50 do século passado) por cima do soutien e das cuecas para acomodar a roupa de fora. Falo sim das conversas que as pessoas têm umas com as outras para "combinar" almoços, reuniões, saídas à noite, tardes de compras , etc, etc...

O grande (para mim o maior) obstáculo à concretização das tais combinações é o facto da maior parte da malta já não escrever nada em papel, preferindo utilizar as aplicações dos smartphones para tal fim.

Para que tudo funcione não só é necessário dominar a tal aplicação, não se esquecendo de carregar em nenhum "done" depois de escrever o recado, como também se torna necessário que o aparelho esteja programado numa forma de alertar o "dono" que seja audível, visível e (sobretudo isso) antecipada...

Caso isso não aconteça lá se vai a "combinação".

Já me aconteceu - exatamente por ter confiado cegamente na tecnologia portátil - esquecer ("passar-se-me" é um termo interessante) de algumas datas importantes, como dias de anos de alguma querida companheira, ou até de comparecer em determinadas reuniões. Nem tanto as do trabalho, que para essas continuo a manter a velha e sensata agenda de papel em cima da secretária, mas as outras da minha vida particular, as quais muitas vezes me esqueço de passar para a agenda de papel porque não a tenho ao pé de mim quando as marco.

Por estranho que pareça é raríssimo esquecer-me de almoços (ou jantares) que estão marcados.
Por um lado cada vez mais escolho as pessoas com que tenho de almoçar (sempre foi um óleo de fígado de bacalhau almoçar por obrigação, com quem não nos interessa nada) e , por outro lado, porque são as horas que passamos à mesa - seja ela rica ou pobre - das melhores que podemos levar desta vida se - e isso é muito importante - "lá no assento etéreo onde subimos memória desta vida se consente", o que não é certo como bem sabia o nosso Poeta.

É claro que muito boa gente anda com uma pequena e discreta agenda de bolso no casaco, exatamente para esse efeito. O nosso sempre lembrado Dr. Pilar até andava com duas... Uma para os CTT e outra para a vida privada.

A mim não me dá jeito a agenda de bolso. Por um lado praticamente não cabe nos bolsos da frente dos meus casacos devido ao volume dos "peitorais" (para não lhe chamar outra coisa) que têm de acomodar. E, por outro lado, porque quando tentei andava sempre a esquecer-me do livrinho em todo o lado onde o pousava.

A resposta lógica parece ser a de só fazer estas "combinações" misturadas com almoços ou jantares, o que me levaria a estar sempre atento às mesmas. Só que - lá está o problema - nem sempre os interlocutores em causa (e que não me estão aqui a ler) sobem acima da qualificação do óleo de fígado de bacalhau...

Não há almoços grátis. Mas é pena (acrescento eu).