quarta-feira, setembro 28, 2016

O opúsculo do Saraiva


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Tentei chamar "pasquim" ao livro mais recente do Arqº Saraiva , mas as mitologias históricas do 25 de Abril deram a essa palavra toda uma outra conotação que para mim é impeditiva desse elogio...

Não o comprei . Nem o comprarei.

Li o que apareceu na internet sobre a coisa, o que pode ser limitativo da análise que segue, mas não ficaria de bem com a minha consciência se não afirmasse isso já de início.  Por outro lado, acho que ainda ficaria pior com a minha consciência se comprasse a "obra".

Refere José Manuel Fernandes no "Observador":

"Não faço parte daquele grupo de activistas das redes sociais (e de colunistas de jornal) que não se envergonha de escrever “não li esse livro, mas…”, desatando a seguir a proferir a maiores inanidades sobre o que não se conhece."

Ora eu serei um dos "sem vergonha". Não me importo nada.

O que é certo é que com ou sem Pedro Passos Coelho aquilo esgotou. Informei-me na FNAC e na Bertrand. Os exemplares que chegam todas as manhãs  desaparecem antes do almoço, em todas as lojas. E já vai na 7ª edição, se bem que começou devagarinho, com 500 livritos.

Este sucesso editorial pode comparar-se ao de livros semelhantes noutros países. "As Sombras de Grey" vêm logo à memória. E, por memória, parece que o actual livro da polémica seria já o 3º das "memórias" do Sr. Arquitecto. E dos outros não reza a história. Terão tido os 500 exs da ordem na 1ª e única edição.

O que é que "valorizou"  este "Eu e os Políticos"? Sempre seguindo a análise fria de José Manuel Fernandes, não terão sido as confidências pessoais de políticos agora tornadas públicas - o que já existiria nos outros "romances". O que disparou as vendas,  depois de ter disparado a discussão,  foram as referências a assuntos da vida privada desses políticos, na maior parte das vezes transmitidas oralmente por terceiras pessoas, todas (ou quase todas) já falecidas...

A forma de tratar a matéria é inovadora: O escritor tem um caderno (presumo que até devem ser mais) onde anotava as confissões dos terceiros falecidos,  antes de estarem mortos. Esperava (qual abutre do Lucky Luke) pelo desfecho da vida terrena do informador bufão. E nessa altura retirava a poeira dos cadernos e punha a matéria em forma de letra publicada.

Mal comparado lembra-me aquela série da TV sobre a vida íntima de Salazar, onde se "provava" que o Presidente do Conselho teria tido várias "amigas especiais", todas perfeitamente documentadas. E quando os historiadores sérios discordavam das conclusões, dizendo nunca ter tido acesso a essas supostas "fontes", a resposta era sempre a mesma: testemunhos verbais fidedignos. E eu acrescentaria: de "malta" já enterrada.

O problema da testemunha estar  falecida tem a ver com aquela chatice da actividade jornalística honesta: corroborar a informação... A ética exige que se faça a pergunta:  Onde podemos encontrar outras fontes para corroborar essa informação? Elas estarão identificadas?

E aqui é que a porca torce o rabo... 

Se o  poeta Camões tivesse deixado um soneto reportando que tinha comido bacalhau com grão no "Mal Cozinhado", tínhamos notícia e grande : já se comia bacalhau com grão no século XVI! (Batatas é que não haveria ainda naquela tasca). 
Mas se a mesma notícia fosse reportada em 1995 por alguém que a teria lido  num livro, exemplar único que entretanto ardeu no incêndio do Chiado, o que poderíamos dizer?

-"Olhe, faça como o Miguel Sousa Tavares ou o José Rodrigues dos Santos,  amigo. Escreva um romance".

Claro que se o Arqº Saraiva tivesse intitulado o livro como uma ficção qualquer, ninguém iria agora meter-se com ele. Por exemplo: "Confissões de um Editor de Jornais; a memória ficcionada do Portugal político dos últimos 50 anos". E até se poderia fazer um filme mais tarde, dando mais relevo ao sexo e à pancadaria.  E vendia-se na mesma!

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